O interesse em manter a qualidade dos alimentos sem aditivos sintéticos, com elementos naturais e menos agressivos à saúde do consumidor e ao meio ambiente, tem encorajado a exploração de novos materiais biodegradáveis, formulados a partir de fontes renováveis. É o caso de uma pesquisa do Laboratório de Bioengenharia (BIOENG) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) que desenvolve biofilmes, a partir de escamas e pele de tilápia, para envolver salsichas, linguiças, salames e outros embutidos.
Com fomento do Governo do Estado, por meio da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), o estudo coordenado pelo professor doutor Marcelo Fossa da Paz consiste no uso da quitosana, um polissacarídeo extraído da escama do peixe, em conjunto com microorganismos, para elaboração de uma membrana com propriedades antimicrobiana, antioxidante e nutricional. O projeto intitulado “Desenvolvimento de produtos alimentares inovadores, ricos em proteínas, a partir de pescado e microalgas, utilizando estratégias de biorrefinaria e de bioeconomia circular” foi aprovado na Chamada Fundect 31/2021 – Universal 2021 – ODS.
Diferentes formulações e tipos de interações moleculares entre biopolímeros, aqueles sintetizados por organismos vivos, foram avaliadas para criar filmes elásticos, resistentes e funcionais. “A quitosana tem poder antibacteriano e pode ajudar na melhoria do tempo de prateleira da carne e os polímeros de origem microbiana, como alginato e goma curdlana, por exemplo, são espessantes, estabilizantes e gelificantes”, explica o coordenador da pesquisa que conta ainda com a participação outros três doutores, um doutorando, duas mestrandas e sete acadêmicos do curso de biotecnologia da UFGD.
Além de testar microrganismos já conhecidos pela ciência, a equipe buscou novas fontes no Cerrado sul-mato-grossense. Três espécies de microalgas, ainda não identificadas, foram coletadas em córregos afluentes do Rio Dourados e apresentaram potencial biotecnológico promissor, tanto na formação do biofilme quanto como suplemento nutricional. Uma delas chamou atenção pela coloração salmão, originária da astaxantina, um carotenoide com propriedades antioxidantes, rico em betacaroteno, responsável pelo pigmento vermelho de algumas espécies aquáticas e pela coloração rosa dos flamingos.
O desenvolvimento dos biofilmes está em fase final e os pesquisadores fazem agora avaliações microbiológicas, químicas e físicas, como resistência, elongação e retenção de umidade, propriedades necessárias para que os produtos sejam alternativas viáveis às embalagens de colágeno bovino e celulose, utilizadas hoje pela indústria de embutidos.
O estudo avança também na extração do colágeno da pele da tilápia para incorporar às membranas. Marcelo Fossa da Paz destaca que o colágeno de pescado tem vantagens em relação ao bovino por ser mais digerível e solúvel, permitindo a preservação da estrutura nativa das macromoléculas na formação dos filmes.
Segundo o pesquisador, o projeto fomentado pela Fundect será concluído com a elaboração de linguiças embaladas com membranas feitas a partir da combinação do colágeno do pescado com a quitosana, mas a equipe vai seguir pesquisando a incorporação de nutrientes, microrganismos probióticos e suplementos alimentares. “As possibilidades são muitas porque, a partir dessa formulação, podem ser incorporados vários elementos que vão melhorar a qualidade nutricional. A gente pode incorporar a proteína da ora-pro-nobis, por exemplo, e alguns óleos essenciais que podem trazer proteção para o alimento e aumentar o tempo de vida por impedir a oxidação das gorduras da carne”.
Bioeconomia circular – Além de inovadora, a biotecnologia pesquisada na UFGD pode trazer impactos ambientais e econômicos importantes a Mato Grosso do Sul ao utilizar os resíduos da indústria de pescado, permitindo o surgimento de novas empresas fundamentadas no reaproveitamento, gerando possibilidade de emprego e renda.
“Pesquisas como estas, com materiais biodegradáveis formulados a partir de fontes renováveis, reforçam o protagonismo científico de Mato Grosso do Sul. Com pesquisadores altamente qualificados e aumento do fomento científico pela Fundect nos últimos anos, a tendência é de avanços ainda maiores”, destaca Márcio de Araújo Pereira, diretor-presidente da Fundect.
O Estado é o quinto maior produtor de tilápia do Brasil, com 32,2 mil toneladas, e o segundo maior exportador da espécie do Brasil, com receita de US$ 4,2 milhões, segundo dados da Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR).
“Conforme a produção de tilápia cresce em Mato Grosso do Sul maior é o volume de resíduos, então é importante buscar formas de aproveitamento em novos produtos e fazer isso de uma forma mais saudável para o consumidor. Estamos em busca de um invólucro semelhante ao que tem no mercado, porém com possibilidade de incorporação de várias outras propriedades para que seja melhor aproveitado pelo nosso corpo”, ressalta Marcelo Fossa da Paz.
Recursos Humanos – O projeto conta com a participação dos professores doutores Rodrigo Simões Ribeiro Leite, da UFGD, Gustavo Graciano Fonseca, atuando da Universidade de Akueyri, Islândia Viðskipta- og raunvísindasvið / School of Health, Business and Science, e William Renzo Cortez-Vega, atuando da Universidade Federal do Amazonas.
Também fazem parte da equipe Cleber Aparecido de Sousa Silva, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da UFGD, além de Isabelle Moreira Souza Ferreira e Letícia Bueno De Moura, mestrandas do mesmo programa.
A pesquisa ainda tem reforço dos graduandos do curso de Biotecnologia da UFGD, Érick Henrique Duarte Acosta, Isadora Pereira Catenaci, Lauzézio Souza Barcelos Neto, Nayara Pereira Espindola, Sabrina dos Santos Nascimento, Ester Zeidler Deechen e Gabriel De Souza Bagnara.
Texto: Maristela Cantadori, Comunicação Fundect
Fotos: Acervo Pesquisador